Apagar a noção do mal moral
é tornar irrelevante a graça e o perdão
“Deus é incapaz de
punir alguém porque ele é amor. Não existe inferno a não ser na cabeça de
cristãos medievais.” Outro dia, em uma conversa com alguém, me surpreendi com
uma descrição do amor de Deus como a aceitação universal da humanidade num
mundo em que o único mal absoluto é a própria religião cristã. Não existe gente
ruim a não ser na igreja, e nada é mau a não ser a moralidade religiosa.
Surpreendi-me porque a
pessoa faz parte do movimento evangélico mais popular, não era parte de nenhum
nicho marginal, mas um crente comum. Ele verbalizara uma ideia cada vez mais
presente no evangelicalismo considerado “inteligente”. O mundo evangélico é
muito bom em contextualização de usos e costumes e agora também se especializa
em contextualizar-se ideologicamente. O problema é que “contextualizar” ideias
não bíblicas é sincretismo.
Vivemos em um mundo que
desaprendeu a ser moral. Sabemos muito bem o que nos ofende ou não, o que é
correto dizer e o que não é, porém não sabemos mais o que é certo ou errado.
Aliás, certo e errado e bem e mal não existem mais a não ser quando se trata de
declarações políticas. E, se o mal não existe, também não precisa existir a
punição. Hoje, o discurso sobre amor na igreja é sincrético. Aprendemos sobre
um amor sem barreiras e sem limites morais e sobre uma graça morna
confortadora, mas que não passa de um sentimento universal de aceitação, bem
distante do que a Bíblia chama de graça. O elemento estranho que interferiu e
apequenou nossa compreensão do amor e da graça de Deus foi a extinção da moral.
De uma forma sutil a igreja aceitou que a moral cristã era um mal em si mesmo e
jogou-a fora ficando apenas com o amor emocional.
O problema é que este “amor”
isento de moral não passa de um sentimento saído diretamente de uma música de
Roberto Carlos e não tem nada a ver com a Bíblia. O amor bíblico é a origem e o
fim da moral. Porque existe o amor, o certo e o errado, o bem e o mal. O amor
bíblico nos diz, por exemplo, como tratar uns aos outros. A bondade,
integridade, honestidade, coragem, ternura, generosidade só podem existir num
mundo moral. A graça e o perdão só são reais porque o mal é real. Se tentarmos
apagar ou enuviar a noção do mal moral, a graça e o perdão se tornam
irrelevantes, desnecessários.
Deus também passa a ser
irrelevante se apenas o que nos espera no céu é um grande abraço celestial
universalista. Por quê? A vida humana e as escolhas que fazemos aqui deixam de
ter qualquer sentido. Se tudo vale tudo, por que o sacrifício, o serviço, o
fazer o bem? Por que isentar-se do mal, controlar os impulsos carnais e
esforçar-se para tornar o mundo um lugar melhor? Besteira inútil se não existir
o céu. Se o amor de Deus é tudo, acaba se tornando nada.
Todos os pecados são iguais?
Todo mal tem o mesmo peso? Não sou melhor do que um assassino terrorista? Nada
menos bíblico do que este discurso. A Bíblia é extremamente prática e ensina
categorização de pecados. Pecados sociais têm consequências sociais, pecados
internos têm consequências internas. Quando odeio meu irmão dentro de mim,
sofro, me endureço, me isolo, mas quando exteriorizo este ódio em difamações ou
cometo um ato assassino, as consequências para mim e todos ao meu redor são
muito maiores. A Bíblia não nos ensina que somos todos iguais. A Bíblia nos
ensina que temos igual valor, o qual nos torna moralmente responsáveis por
nossas escolhas.
Porque a vida humana tem
valor intrínseco, tudo o que faço tem valor e é relevante e terá consequências
eternas. Ilse Koch, a nazista que confeccionava abajures com pele humana, e
Madre Teresa não foram iguais.
A cosmovisão que ensina que
não temos escolha e que o que somos ou escolhemos viver não passa de um
acidente cósmico é o secularismo. Diz o evolucionista Will Provine da
Universidade de Cornell: “A não existência de Deus, da vida após a morte, a
ausência de uma âncora moral essencial para a ética, do sentido fundamental
para a vida humana e do livre-arbítrio, estão profundamente ligadas à
cosmovisão evolucionista”.
Precisamos, neste momento da história da igreja
evangélica, “descontextualizar” a teologia que abraçou a amoralidade
secularista, que emprestou ao amor de Deus as características emocionais do
politicamente correto e voltar à verdadeira santidade bíblica.
• Bráulia Ribeiro trabalhou
na Amazônia durante trinta anos. Hoje mora em Kailua-Kona, no Havaí, com sua
família, e está envolvida em projetos de tradução da Bíblia nas ilhas do
Pacífico. É autora de Chamado Radical e
Tem
Alguém Aí em Cima?. Acompanhe seu blog pessoal: ultimato.com.br/sites/brauliaribeiro
Fonte: Revista Ultimato novembro/dezembro
2015