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domingo, 29 de novembro de 2015

O cristianismo no gigante asiático

Os avanços e os retrocessos do cristianismo na China, país que deverá ter em 2030 a maior população cristã do mundo



                                       Imagens do google

Nos últimos anos, a República Popular da China vem atraindo as atenções do mundo de maneira crescente. Essa nação rigidamente comunista no âmbito político e abertamente capitalista na economia tem assombrado a comunidade internacional com suas impressionantes taxas de crescimento. Em poucas décadas, a superpotência emergente se tornou o maior exportador, o terceiro maior importador e a segunda maior economia do mundo. É também o país mais populoso da terra, com 1,36 bilhão de habitantes, e um dos maiores em extensão geográfica, com 9,6 milhões de quilômetros quadrados.

O país, cujo nome nativo é “Zhonghuá” ou “reino central”, também tem chamado a atenção de muitos ocidentais por duas outras razões: o crescimento do cristianismo e as fortes reações governamentais. Sendo uma nação milenar e isolada, a China desenvolveu um intenso apreço por sua história e cultura, acompanhado de forte desconfiança em relação a outros povos. Essa xenofobia se constituiu numa grande barreira para o cristianismo, visto como uma religião estrangeira, ocidental. Daí a trajetória sinuosa da fé cristã no país, com períodos alternados de tolerância e repressão.

O cristianismo ingressou na China há cerca de 1400 anos. As principais religiões do país eram o confucionismo, o taoismo e o budismo. A primeira presença cristã comprovada ocorreu no ano 635, quando um grupo de monges sírios nestorianos, liderados por Alopen, chegou à capital imperial da dinastia Tang. No início do século 17, foi descoberto em Xian um notável monumento de pedra escura, datado de 781, contendo um histórico da missão nestoriana no século e meio anterior.

A primeira missão católica romana surgiu no século 13, depois que Gêngis Khan e seus sucessores mongóis dominaram o norte do país. O frade franciscano João de Montecorvino chegou a Pequim em 1294 e foi consagrado arcebispo do Extremo Oriente em 1308. Após serem expulsos em 1369, os católicos retornaram em 1600, com o célebre jesuíta Mateus Ricci. O primeiro bispo chinês, Lo Wen-Tsao, foi consagrado em 1685. No século 18, houve forte tensão entre os jesuítas e membros de outras ordens na chamada “controvérsia dos ritos”, sobre a relação entre fé e cultura.

Os protestantes somente chegaram ao país no início do século 19, numa época de forte isolamento em relação ao mundo exterior. O pioneiro foi o inglês Robert Morrison, um hábil linguista que traduziu a Bíblia para o idioma nacional e, na companhia do colega William Milne, ordenou o primeiro pastor nativo, Liang Fah. Outros missionários de destaque foram Karl Gützlaff e William Burns, que se preocuparam com a evangelização do vasto interior; Hudson Taylor, fundador da famosa Missão do Interior da China (1865), e Timothy Richard, grande incentivador da educação.

Em 1900, no contexto de “um elo fatal entre a penetração imperialista e a pregação do evangelho” (Stephen Neill), explodiu a mais violenta manifestação de sentimento antiestrangeiro e anticristão na China, a Insurreição dos Boxers. As famílias dos missionários protestantes tiveram mais de 180 vítimas fatais e milhares de cristãos chineses foram mortos. Após a intervenção de uma força internacional, as missões voltaram a se fortalecer. Em 1911, ocorreu a proclamação da República da China, sob a liderança de Sun Yat-sen, um cristão. O governante seguinte, Chiang Kai-shek, declarou-se cristão em 1930 e foi batizado. A situação mudou com a invasão japonesa (1937-1945) e a subsequente tomada do poder pelos comunistas, que proclamaram a República Popular da China em 1º de outubro de 1949. Os nacionalistas fugiram para Taiwan (Formosa).

O corpo missionário protestante havia chegado ao auge em 1925, com 8.158 obreiros. Em 1949, haviam diminuído para 4.062, com igual número de católicos. De 1951 a 1953 ocorreu uma retirada em massa e muitos dos que permaneceram foram para a prisão. Os cristãos chineses sofreram com a ideologia antiocidental do novo regime e toda a obra educativa, médica e social foi retirada das igrejas. A partir de 1958 tornou-se mais rígido o controle estatal sobre a religião e muitos abandonaram a fé. A repressão se tornou especialmente severa durante a Revolução Cultural (1966-1976), com a supressão de locais de culto e de práticas religiosas.

A situação melhorou sob o sucessor de Mao, Deng Xiaoping, seguindo-se uma grande expansão do cristianismo a partir dos anos 80, especialmente após a repressão contra os manifestantes pró-democracia na Praça da Paz Celestial (Tiananmen), em Pequim, em 1989. O maior crescimento ocorre nas igrejas domésticas ou subterrâneas, que existem paralelamente às reconhecidas. Em 2010, o número total de cristãos foi estimado em 67 milhões ou 5% da população, sendo a maior parte composta de protestantes. Alguns estudiosos avaliam que a China está a caminho de ter a maior população cristã do mundo em 2030. Contribui para isso a desilusão com o socialismo e com o próprio crescimento econômico das últimas décadas.

O país reconhece oficialmente quatro religiões: budismo, taoismo, islã e cristianismo (católicos e protestantes). As atividades das organizações religiosas reconhecidas são regulamentadas pela Administração Estatal para Assuntos Religiosos, que controla todos os aspectos da vida religiosa. O cristianismo é supervisionado por três grandes entidades: Movimento Patriótico Three-Self, Conselho Cristão da China e Associação Católica Patriótica Chinesa. O governo monitora de perto as atividades religiosas desses grupos. Para se registrar como uma organização religiosa reconhecida, os líderes devem receber treinamento a fim de “adaptar” a doutrina ao pensamento e à cultura chinesa, isto é, à ideologia comunista.

Desde 2014 o governo chinês tem empreendido forte campanha contra o cristianismo, visando tanto as igrejas oficiais quanto as clandestinas. Multiplicam-se as detenções arbitrárias, multas, bloqueio de acesso a locais de culto, interrupção de reuniões, encarceramentos prolongados, demolição de templos e remoção de cruzes. Isso ocorre principalmente em Wenzhou (Província de Zhejiang), conhecida como a “Jerusalém da China”, devido a sua grande população cristã. A implementação das políticas religiosas recai em grande parte sobre os oficiais locais do partido, variando de um lugar para outro. Por trás do discurso oficial de “penetração de forças hostis ocidentais”, percebe-se o temor do regime quanto ao seu futuro. O cristianismo é o maior agrupamento da sociedade civil na China e um número crescente de defensores dos direitos humanos é composto de cristãos.

• Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e professor no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper. É autor de Erasmo Braga, o Protestantismo e a Sociedade Brasileira, A Caminhada Cristã na História e Fundamentos da Teologia Histórica. Artigos de sua autoria estão disponíveis em www.mackenzie.com.br/historia_igreja.html.


Fonte: Revista Ultimato Novembro/dezembro 2015

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