Por Gutierres Siqueira
Este artigo é fruto de inúmeras conversas informais que tive com jovens e líderes de jovens nos últimos dias. A denominação Assembleia de Deus vive uma crise com a sua juventude. É provável que outras igrejas estejam passando por algo parecido, mas não posso falar por falta de vivência nas demais denominações cristãs.
Faço parte dessa juventude. Hoje tenho 22 anos, mas entrei na “mocidade” da igreja com a idade de 13 anos. Nesses 11 anos de vivência entre jovens percebo uma crise que se aprofundou com o passar do tempo. Os bancos de “mocidade” estão cada vez mais vazios e os jovens cada vez menos ativos e desinteressados. Quero apontar, neste artigo, alguns fatores que acredito colaborarem com essa crise.
Mensagem descontextualizada
Na minha opinião a mensagem descontextualizada é o nosso principal problema. Vejamos alguns exemplos:
a) Os jovens trabalham como estagiários e trainees em empresas multinacionais com novas visões de liderança. Hoje, em inúmeras empresas, os estagiários sentam do lado dos gerentes. Não há mais divisórias que separam os novatos dos veteranos. E quando esses jovens chegam na igreja? Se deparam com uma hierarquia rígida, fria e distante. Os pastores são ausentes e conversam com os jovens somente em “reuniões” para “tratar sobre problemas”. Os chamados “cultos de mocidade” não contam com a colaboração dos obreiros.
b) As empresas (chefes), as famílias (pais) e as escolas (professores) estão cada vez mais próximos e preocupados com o diálogo com os jovens. As revistas voltadas para esses líderes sempre apontam os desafios da Geração Y, ou seja, aqueles que nasceram na década de 1980 e 1990. Há uma preocupação com um ambiente menos sisudo, mais dinâmico e responsável. Já nas igrejas (pastores) ainda reina o formalismo extremo e o liturgismo (inflexível) de cemitério (mesmo em igrejas pentecostais). Diálogo zero! Empatia zero!
c) Os jovens se deparam com desafios enormes diante dos valores pós-modernos. A maioria dos jovens estão, graças a Deus, na universidade, mas são totalmente despreparados para lidar com princípios cristãos no mar do relativismo, do multiculturalismo e do hedonismo reinante nas universidades. Enquanto isso, muitos pastores estão preocupados com os jovens que usam calças, shorts, maquiagens, adornos etc. É impressionante que, diante de desafios tremendos na sociedade contemporânea, o debate nas Assembleias de Deus ainda esteja em volta dos “usos e costumes”.
d) Ensino praticamente zero. Como os jovens vão preparados para a vida se não sabem nem o A B C D do Evangelho? Com tanta mensagem superficial nos púlpitos não é novidade que a juventude também seja vazia. Púlpito ruim, igreja doente. Igreja doente, juventude doente. Lamentável dizer, mais ensino bíblico (de verdade) é objeto raro nas Assembleias de Deus. Sim, temos valorosos ensinadores, mas são uma minoria em uma denominação que se gaba ufanisticamente de ser a maior igreja pentecostal do mundo.
e) Enquanto parte considerável da denominação aposta nos “usos e costumes” tradicionais como processo de santificação, logo a carnalidade somente aumenta. A santificação também é um processo que depende da Graça de Deus, não é um processo meritório. Quem aposta a santificação na tradição está fadado ao fracasso e certamente abraçando o pecado. Muito se prega sobre santificação, mas justamente no foco legalista e ineficaz, já que se despreza o trabalho do Espírito Santo (cf. Rm 8). Esse povo nunca leu Gálatas?
f) Exortações e mais exortações com focos exagerados. É quase trágico quando um “pregador adulto” vai aconselhar os jovens sobre a internet. Sempre o foco é o problema. É claro que se usa a internet de maneira errada, mas e o potencial evangelístico e a transmissão dos valores cristãos pela grande rede? Nunca ouvi uma única mensagem que falasse de tecnologia e apontasse o seu potencial. Os jovens sempre recebem o mandamento negativo (não faça) e quase nunca o mandamento positivo (faça isso).
e) Existe maior exemplo de descontextualização nas Assembleias de Deus do que chamar adolescentes e jovens de “mocidade?"
Fonte: (teologiapentecostal.blogspot.com).
Breve comentário:
1. Realmente, tenho observado pregadores em nosso meio se esforçando para contextualizar a mensagem e mesmo esboçada, e quando o fazem é com certa dificuldade. Não há motivo para tal, o evangelho é uma antiga novidade.
2. Há lugares da AD que admiro, pois não fazem menção aos nomes de quem vai pregar e cantar em eventos. Precisamos evitar o culto à personalidade, porém devemos ser estratégicos, aproveitando as oportunidades para edificar e instruir a igreja. Ou seja, eventos com temas específicos, merecem uma divulgação inteligente. Hoje tudo é segmentado na sociedade e a igreja não pode ficar na contramão.
A 3. A família clama por socorro. Feliz decisão de algumas ADs no Brasil em adotar a estratégia do Ministério da Família, EJC, EAC, ECC. Lideranças que criticam deveriam ir para conhecer e reconhecer o seu peso e valor e preparem-se para quebrar paradigmas litúrgicos.
4.O evangelho deixou de ser aquele de “pé de serra”. Temos pessoas hoje na igreja de todos os segmentos sociais. A liderança precisa acordar para esta realidade e urgentemente preparar, formar lideranças, utilizar-se sabiamente dos talentos de que dispõe. Infelizmente, algumas lideranças da AD trabalham em torno de grupos. Isso não é sabedoria, mas, uma liderança frágil, carregada de medos.
5. Não podemos dispensar a “Escola de Jesus” como diziam os obreiros veteranos que partiram, assim como também não podemos afirmar que é tudo pelo Espírito, esquivando-se de buscar o preparo e não se dedicam como deveriam. E pior, há quem iniba o crescimento dos outros, afirmando que só vai crescer se ficar amarrados a ele. Quem realmente ensina para formar dá raízes e asas.
6.A liturgia precisa ser revista. Há muita repetição nos púlpitos, tanto de eventos tradicionais, como de conteúdos. Há mensagens as quais ao invés de espirituais, são espirituosas, pois padecem de uma exegese bíblica sustentável.
7. A tática de botar a juventude dentro de quatro paredes durante eventos mundanos é ultrapassada. Cabe aos pais e a igreja, prepará-los para vida cristã e secular, acreditando no que ensinam, cobrindo-os com o exemplo, oração e jejum.
8. Na atualidade, se o Apóstolo Paulo pudesse falar, certamente ele enfatizaria Cristo como fundamento da Igreja. No entanto, ficamos adicionando acessórios e os defendemos ferreamente para realçar a bandeira denominacional. Isto é prejudicial, porque tolhem dos membros uma visão ampla do Reino de Deus.
9. A ênfase nas exortações, muitas vezes verdadeiros carões, foca o negativo, pouco incentiva. A qualidade da comunhão é uma questão muito séria no meio assembleiano. Templos e congregações quanto maiores, menos qualidade na comunhão. Estamos carregados de preconceitos, a proposta de santidade leva muitos a se tornarem anti-sociais. Na verdade não é evangelho, é uma religiosidade doentia e neurótica que passa de pais para filhos. Agora, quem ensinou? Onde aprenderam? Há um misto de santidade com perfeccionismo.
10. Fora da AD no Brasil tem muita gente boa, verdadeiros vasos de Deus. Todavia, também há uma nuvem de apagão teológico. Já outros dizem que precisa haver uma desintoxicação teológica. São dois extremos. Estamos correndo através de bênçãos quando já temos em Cristo e não as vivenciamos. Que Deus tenha misericórdia de nós.
1111.Finalmente, não finalizando, as mudanças de que nós assembleianos precisamos enfrentar e que reflitam no amadurecimento da igreja em todos os segmentos passa pela estatura espiritual das lideranças e liberdade para servir ao Senhor da causa Cristo. A expansão está mais para inchaço, pois o nível espiritual de maturidade é baixo. Que tenhamos essa humildade para reconhecer. Espero que ninguém culpe a Deus que dá o crescimento. Evidentemente, que há uma variação da realidade assembleiana de lugar para outro na igreja local brasileira. E permitam-me lembrar: As advertências às igrejas da Ásia Menor, foram dirigidas em primeiro plano aos anjos das Igrejas e depois às igrejas. Portanto, positivo ou negativamente, a igreja é um retrato de seu Pastor.
Por Samuel P M Borges
Bacharel em Direito e Teologia
Natal/RN - Julho de 2011.