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Estive em Lisboa em outubro de 2011, a convite da Fundação Calouste Gulbenkian, para participar do ciclo de palestras chamado “Ambiente. Por que ler os clássicos?”. Coube-me comentar o texto “Nosso futuro comum”, também chamado Relatório Brundtland, encomendado pela ONU à ex-primeira ministra da Noruega, Gro Brundtland, em 1984. O estudo, concluído em 1 987, inspirou vários desdobramentos na governança ambiental global, além de eventos como a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que conhecemos também como Cúpula da Terra ou Rio 92.
Passados 24 anos, e às vésperas da Conferência Rio + 20, que será realizada em junho de 2012, vejo, com certa tristeza, que foram muitos os descaminhos. Os alertas e as recomendações feitos no relatório tiveram efeitos, mas não suficientes para que, na primeira década do século seguinte à publicação, estivéssemos em situação menos complicada.
Temos um mundo convulso em crises superpostas e uma avaliação equivocada na hierarquização dessas crises. A crise econômica arrasta o sistema financeiro mundial para o colapso. A crise social nos exibe rostos magros de 2 bilhões de pessoas com fome. A crise política, nascida do descolamento entre a representação democrática dos povos e a atuação parlamentar de características corporativistas, denuncia que valores e significados estão sendo perigosamente postos de lado na condução dos interesses públicos. E a crise ambiental, resultante de um modelo de desenvolvimento em que o crescimento econômico não quer ter limites e espolia a base natural de todos os ecossistemas da terra, pode levar à esterilização do planeta pelo aquecimento climático a uma temperatura incompatível com a existência da vida.
A humanidade se dedica alegremente ao consumismo, às preocupações de curto prazo, sem pensar nas condições que as futuras gerações terão para viver.
Isso nos leva a identificar outra crise: a da utopia, do sonho de solidariedade, de fraternidade, do planeta pleno de vida. Em Gênesis 1.22 o ato criativo de Deus significa um planeta cheio de vida na terra, nas águas e no ar, com plantas e animais, pássaros e peixes, e o ser humano por fiel guardião de tudo isso. No ano de 2012 da era cristã, essa vida está também ameaçada em todos os quadrantes da terra. Nossos processos institucionais e políticos não zelam pela democracia. Nossos processos produtivos desconhecem a inteligência da engenharia sistêmica de Deus e exploram os bens materiais do planeta até seu esgotamento, gerando poluição e outras disfuncionalidades nos ecossistemas. O fruto do trabalho de nossas mãos no campo visa o lucro, é mal distribuído e não chega às bocas famintas nos países pobres. Nossa infraestrutura cara e mal planejada é ambientalmente inadequada, além de injustiçar os povos que sofrem os impactos sem ter os benefícios. Nosso gigantesco sistema financeiro privatiza os lucros, mas impõe à humanidade os prejuízos de suas operações, resultando em perda de milhões de empregos.
As múltiplas crises que constituem a crise civilizatória que vivenciamos exigem de homens e mulheres sentido de urgência e mobilização para o imperativo ético da mudança de atitude que precisaremos ter face à destruição da vida abundante com que Deus agraciou o planeta. Para isso é importante propiciar o necessário encontro entre política e ética, economia e ecologia e, para os que creem no propósito restaurador da obra de Deus, do homem com Deus, consigo mesmo, com os outros homens e com a criação.
Articulista: Marina Silva - professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.