A construção de uma sexualidade relacional
Por Carlos “Catito” e Dagmar Grzybowski
O compositor e cantor baiano Raul Seixas afirmava em uma de suas músicas que
ele preferia ser uma “metamorfose ambulante”. Na verdade o ser humano é
realmente um ser em contínua construção. A cada novo dia, a cada nova
experiência, a cada novo relacionamento, nós somos transformados. Nossa
sexualidade é parte inseparável desta construção.
A ideia de uma sexualidade estática e imutável
adquirida nos primeiros anos da infância é bastante questionável do ponto de
vista das teorias mais atuais no campo da psicologia, como a Teoria Sistêmica.
Em outra perspectiva, o reducionismo fisiologicista
que observamos hoje em muitos campos das ciências do comportamento e
especialmente da mídia quer nos levar a pensar que a sexualidade é algo
exclusivamente sensorial e orgânico, nada mais equivocado! O principal agente
construtor da sexualidade é a mente. É por meio dela que somos capazes de
evocar sentimentos de desejo ou repulsa, de excitação ou aversão, de amor ou
ódio.
Todavia a mente humana é extremamente complexa e
construída a partir de influências genéticas, ambientais, familiares, sociais,
religiosas, culturais e uma infinidade de outros fatores que vão moldando nossa
forma de perceber a realidade. Logo, a sexualidade humana é algo de grande
complexidade. Reduzi-la a uma dimensão meramente fisiológica é rebaixar o ser
humano de sua condição primordial de “homo sapiens sapiens” e animalizá-lo.
Assim, a sexualidade humana deve ser compreendida
dentro desta condição de complexidade intrínseca a ela. Simone de Beauvoir
afirma categoricamente: “A gente não nasce mulher, torna-se mulher”.1 Pode-se
dizer o mesmo de qualquer outra expressão da sexualidade.
Acima de tudo, porém, a sexualidade precisa ser
compreendida dentro da dimensão da relacionalidade. Somos seres relacionais e a
sexualidade é uma das expressões de nossos relacionamentos. O outro é que me
constitui: só me torno marido diante de uma esposa.
As mudanças sociais das últimas décadas, com
excessiva ênfase no individualismo, transformaram a sexualidade de uma
expressão relacional em uma expressão objetal, ou seja, em vez de o outro me
constituir, torna-se um objeto para meu uso, na busca de um desfrute
sensorial/fisiológico. Essa busca é sempre insaciável e neste viés surgem todas
as perversões e a indústria da pornografia.
A sexualidade relacional é aquela que, antes da penetração genital, busca a interpenetração de “outros orifícios” relacionais: a interpenetração do olhar, que atravessa o “orifício” da pupila e enxerga e deixa enxergar a alma (Mt 6.22); a interpenetração do falar, que atravessa o orifício auditivo e toca o mais profundo do ser (Pv 16.24) -- não apenas a pele. Para estas outras interpenetrações são necessários tempo e diálogo fecundo. Não acontecem em um primeiro encontro -- nestes encontros rápidos com finalidade sexual, o máximo que se obtém é o orgasmo fisiológico, e a verdadeira celebração da sexualidade é muito superior a isso.
A sexualidade relacional é aquela que, antes da penetração genital, busca a interpenetração de “outros orifícios” relacionais: a interpenetração do olhar, que atravessa o “orifício” da pupila e enxerga e deixa enxergar a alma (Mt 6.22); a interpenetração do falar, que atravessa o orifício auditivo e toca o mais profundo do ser (Pv 16.24) -- não apenas a pele. Para estas outras interpenetrações são necessários tempo e diálogo fecundo. Não acontecem em um primeiro encontro -- nestes encontros rápidos com finalidade sexual, o máximo que se obtém é o orgasmo fisiológico, e a verdadeira celebração da sexualidade é muito superior a isso.
É necessária uma nova reflexão (Rm 12.2) sobre a sexualidade, fugindo da superficialidade de binarismos como “homo x hetero”, que só causam discussões reativas e pouco produtivas. Pensar na sexualidade como uma construção complexa e permanentemente mutante, cujo elemento motriz é o “relacional”, é o desafio.
Nota
1. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Trad. Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. v. 1.
• Carlos “Catito” e Dagmar são casados,
ambos psicólogos e terapeutas de casais e de família. São autores de Pais Santos,
filhos nem tanto.
Fonte: Revista Ultimato julho-agosto 2013
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