Daniel Lima
No dia 9 de agosto tivemos o
primeiro debate televisionado com os candidatos à presidência, que foi talvez
uma prévia dos vários confrontos que ainda ocorrerão. Olhei praticamente o
debate todo, e saí com certo nível de frustração. Eu sei que não é um debate
que vai definir candidatos, mas sinceramente esperava maior clareza. O que vi,
com exceção de dois radicais, foi caracterizado por discursos mornos,
declarações generalizadas e atitudes tão polidas quanto inócuas. No entanto, o
tempo não para e o dia da votação se aproxima. Apesar de ser forte defensor da
separação igreja-estado, sou também forte defensor de um sistema em que a
população se manifeste quanto aos rumos de sua nação. Não por crer no enganador
ditado “vox populi vox Dei” (a voz do povo é a voz de Deus), mas
porque com muita frequência temos observado diferentes povos fazerem escolhas
que, além de trazerem resultados catastróficos, definitivamente contrariam a
vontade de Deus. Creio no modelo democrático pois creio que devemos arcar com
as consequências de nossas escolhas, e um sistema onde alguém decide por mim me
daria o direito de me isentar de qualquer culpa ou responsabilidade (vide
artigo sobre o aborto).
Tampouco creio em movimentos
de anular votos ou votar em branco, buscando se eximir de participação. Ambos
me parecem tentativas fúteis de fugir de escolhas, sendo que não podemos fugir
de seus resultados. Com isso recai sobre nós a difícil tarefa de escolher em quem
votar. Refleti então sobre quais princípios bíblicos podemos usar em uma
situação assim. Embora muito tenha sido escrito defendendo uma ideologia contra
outras, eu gostaria de tentar encontrar alguns princípios gerais, sobre os
quais, instruídos pela Palavra, possamos concordar. Embora existam muitos,
gostaria de destacar cinco deles:
1. Ore, ore, ore
Certamente é um princípio
muito afirmado, mas infelizmente pouco praticado. Foi com alegria que vi a
igreja da qual participo assumir um compromisso de uma campanha de oração pelas
eleições. Cabe lembrar o texto de 2Crônicas 7.14:
Se o meu povo, que se chama
pelo meu nome, se humilhar e orar, buscar a minha face e se afastar dos seus
maus caminhos, dos céus o ouvirei, perdoarei o seu pecado e curarei a sua
terra.
Não
importa se o candidato roubou muito ou pouco. O fato de ter roubado revela seu
caráter.
O processo proposto para todo
aquele que se identifica como seguidor de Jesus é em primeiro lugar “se
humilhar” e, portanto, não defender de modo áspero, arrogante ou violento suas
convicções político-partidárias. E, em segundo lugar, “orar”, clamar a Deus
reconhecendo-o como aquele que tem o coração do rei em suas mãos. Cremos em um
Deus soberano que tem processos assim sob seu controle, e, mesmo quando indivíduos
iníquos assumem o governo, podemos confiar que ele vai atravessar este vale
escuro ao nosso lado. Em terceiro lugar, “buscar a face de Deus”, buscar
conhecer a Deus, buscar conhecer sua vontade e alinhar-se com ela, buscar
promover o que ele ama e não o partido que me agrada. Por fim, “se afastar dos
seus maus caminhos”. Não podemos orar esperando seu favor e continuar
desprezando Deus e sua vontade. Não podemos orar esperando respostas enquanto
em nossas vidas seguimos na direção oposta daquilo que ele propõe como caminho
de vida. Portanto, não ore para que seu candidato favorito seja eleito, ore
para que Deus tenha misericórdia de nossa nação, ore para que o seu plano se
realize, ore para que seja eleito aquele que vai cumprir os seus propósitos nesta
época para nosso país. Paulo, em 1Timóteo 2.1-2, escreve:
Antes de tudo, recomendo que
se façam súplicas, orações, intercessões e ação de graças por todos os homens;
pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida
tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade.
O objetivo de nossa oração é
que tenhamos vidas tranquilas e pacíficas, com toda a devoção, com liberdade
para proclamar aquele governo que realmente vai resolver os problemas – o reino
de nosso Senhor Jesus Cristo. Ore para que seu voto se alinhe com a vontade de
Deus.
2. Fiel no pouco, fiel no
muito
Um segundo princípio ao
escolher nossos governantes é aquele apresentado na parábola dos talentos. O
que torna alguém corrupto não é a quantia que se desvia, mas o ato de tomar
para si aquilo que não lhe pertence. Lucas registra as palavras de Jesus em seu
evangelho, no capítulo 16, verso 10:
Quem é fiel no pouco, também é
fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito.
Sendo assim, não importa se o
candidato roubou muito ou pouco. O fato de ter roubado revela seu caráter.
Investigue seu candidato, verifique se ele ou ela são marcados por um histórico
de corrupções ou se, pelo contrário, o que mais se sobressai é a ausência das
mesmas.
3. Amar o que Deus ama e
detestar o que Deus detesta
Um dos valores fundamentais da
fé cristã é que, ao caminharmos com ele, a própria vida de Cristo começa a
inundar nosso viver. Com isso, começo a descobrir interesses e paixões que não
me são naturais, mas evidentemente sobrenaturais, de forma que não é mais o meu
querer que dirige minha vida, mas a vontade de Deus. O apóstolo Paulo descreve
isso em Gálatas 2.20:
Fui crucificado com Cristo.
Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo
no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.
Examine
questões como família, princípios morais, ideologia de gênero, justiça social,
amparo dos desamparados.
Examine a proposta dos
candidatos quanto aos valores cristãos. Ele ou ela defendem o que Deus ama? Ele
ou ela se posicionam pessoalmente, e em suas propostas, de acordo com aquilo
que Deus propõe como importante? Examine questões como família, princípios morais,
ideologia de gênero, justiça social, amparo dos desamparados. Certamente o
futuro presidente terá de governar cristãos e não cristãos, portanto não
devemos esperar uma plataforma exclusivamente cristã. Ao mesmo tempo, devemos
nos opor à iniquidade. Qualquer governo que, por exemplo, tenha como plataforma
a desconstrução da família está promovendo abertamente a iniquidade. O apóstolo
Tiago escreve em sua carta, no capítulo 4, verso 4:
Infiéis, não compreendeis que
a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do
mundo constitui-se inimigo de Deus.
Cuidado, então, com
partidarismos. Cuidado com propagandas e discursos que soam tão razoáveis e tão
transformadores, mas que ao mesmo tempo promovem causas que Deus odeia. Não
podemos sacrificar princípios cristãos para ganhar a amizade com o mundo.
4. Caráter e competência
Para
Deus não há dicotomia quanto a caráter e competência.
O que seria melhor: um
governante de bom caráter mas incompetente, ou um de mau caráter mas
competente? A única resposta que faz sentido é: nenhum dos dois! A Palavra
torna evidente que Deus capacita aqueles que ele chama para as mais variadas
funções. Na história de José lemos várias vezes que que ele prosperava porque a
mão do Senhor estava com ele. Certamente ele tinha capacidade de governo, mas
esta capacidade era baseada em seu caminhar íntegro. A lista de qualificações
para líderes da igreja em 1Timóteo é essencialmente uma lista de aspectos do
caráter e não só de competência. Para Deus não há dicotomia quanto a caráter e
competência. Ao aconselhar Moisés a escolher os líderes do povo, Jetro afirma
que as características destes líderes deveriam incluir tanto capacidade quanto
temor a Deus. No contexto judaico e também cristão, o conceito de caráter está
intimamente ligado ao temor de Deus, pois o indivíduo que assume um padrão
moral e ético o faz a partir da compreensão de que há um Deus soberano ao qual
cada um deverá prestar contas um dia. No texto de Êxodo 18.21 lemos:
Mas escolha dentre todo o povo
homens capazes, tementes a Deus, dignos de confiança e inimigos de ganho
desonesto. Estabeleça-os como chefes de mil, de cem, de cinquenta e de dez.
Ao escolher um candidato, não
caia na armadilha de decidir entre caráter ou competência. Uma escolha assim é
como decidir se você prefere morrer com fogo ou com água – no final, o
resultado é o mesmo! Escolha candidatos que mostraram competência e, ao mesmo
tempo, mostram caráter.
5. Evite votar em alguém
apenas porque se diz cristão
Todos conhecemos pessoas muito
dedicadas a Jesus, mas que não têm capacidade para gerir um negócio ou sequer
suas próprias finanças. Infelizmente, alguns candidatos parecem crer que, por
professarem ser cristãos, automaticamente estão qualificados para um cargo no
governo. Olhe com muito cuidado estes candidatos. Primeiramente, seu argumento
para ser seu escolhido é muito fraco. Não basta alguém ser cristão para
governar uma cidade, estado ou país. O indivíduo precisa de conhecimento,
capacidade e perfil para desempenhar estas funções. Em segundo lugar, o fato de
se apresentarem como cristãos não significa que têm um procedimento íntegro.
Todo leitor do Novo Testamento conhece a história de Ananias e Safira, que,
sendo cristãos, tentaram promover uma imagem própria além da realidade. Eles
tentaram mentir para os homens, mas na verdade mentiram para Deus. (Em nenhum
momento o texto indica que eles não eram cristãos.) Finalmente, cuidado com
candidatos que afirmam que vão defender os cristãos. Há duas razões para isso.
Primeira, nosso protetor é Deus e não um governante cristão. Segunda, o que se
espera de um governante é que seja justo, temente a Deus, e não alguém que
defenda seguidores de uma fé acima dos demais.
Após considerar esses
princípios, você talvez conclua que não há candidatos que preencham todas estas
características. Isso pode muito bem ser verdade. Uma vez mais, importa aqui o
discernimento. Reflita: qual dos candidatos mais preenche estas
características? Qual deles vai refrear a iniquidade e promover a justiça? Qual
deles, em sua percepção, vai lutar por aquilo que Deus ama? Minha oração é que
eu, você e a igreja brasileira estejamos engajados neste processo, nos
humilhando, orando, buscando a face do Senhor, nos desviando do mal e nos
oferecendo como seus agentes para cumprir seus propósitos em nossa nação.
Daniel Lima foi pastor de
igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação
cristã e doutorando em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA.
Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é
autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de
pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos e vive no Rio
Grande do Sul desde 1995.
Fonte: https://www.chamada.com.br/mensagens/eleicoes.html