A palavra salvação é
uma palavra muito solene. Por ser mencionada com frequência pelos pregadores do
evangelho ao redor do mundo e em todos os tempos, ela tem se tornado vulgar.
O antônimo de salvação é
perdição. Não há necessidade de salvação se não há perdição. Como, hoje em dia,
a palavra perdição é por demais questionada, questiona-se também,
obrigatoriamente, a palavra salvação. Questionando-se ambas as palavras,
questiona-se toda a estrutura do cristianismo. Não havendo nem perdição nem
salvação, obviamente não há Salvador. Jesus Cristo deixa de ser o que é —
“Sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo” (Jo 4.42) — e se torna
um personagem simplesmente histórico. Se Ele não é o Salvador do mundo, a
expiação realizada na cruz é lorota. Jesus deixa de ser o Salvador para ser um
mártir, como Joana d’Arc ou Martin Luther King.
Além de muito solene, a
palavra salvação é muito ampla. Ela abarca a salvação da culpa do
pecado, a salvação do poder do pecado e a salvação da presença do
pecado. Diz-se que a salvação da culpa do pecado é a justificação do
pecador por meio da fé; a salvação do poder do pecado é a santificação do
pecador por meio da autonegação; e a salvação da presença do pecado é a glorificação do
pecador por meio do novo corpo e dos novos céus e nova terra. Daí serem
corretas as afirmações: fui salvo, estou sendo salvo e serei salvo.
Salvos da culpa do pecado ontem, salvos do poder do pecado hoje e
salvos da presença do pecado amanhã: salvação no passado, salvação
no presente e salvação no futuro.
A pregação do evangelho é o
anúncio da salvação: Jesus salva o pecador da perdição, da condenação, do dia
do juízo, das algemas eternas, do fogo eterno, das penas eternas, da morte
eterna, do inferno ou do figurado lago de fogo e enxofre. Ele nos salva da
separação definitiva e irreversível de Deus e dos que aceitam e experimentam a
salvação.
Hoje há uma distorção enorme
do anúncio da salvação. Pregam-se salvação da enfermidade física, salvação do
sofrimento, salvação da miséria, salvação da autoimagem. Tudo isso pode estar
embutido eventualmente na salvação do pecado, mas não é a salvação maior,
projetada pela misericórdia e pelo amor de Deus.
O anúncio da salvação
confunde-se hoje com o convite de adesão a certo credo cristão (católico,
ortodoxo ou protestante), a uma denominação evangélica (batista, presbiteriana,
metodista, assembleiana, luterana, episcopal etc) e a um tipo de igreja
(histórica ou tradicional, pentecostal ou carismática). Prega-se mais as
virtudes de cada uma dessas expressões de culto do que as virtudes “daquele que
vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2.9). É preciso saber
se estamos enchendo as igrejas de salvos ou de adeptos desta ou daquela
religião. Essa concorrência religiosa não pode esconder dos pecadores o
significado por demais solene e amplo da palavra salvação.
Texto originalmente
publicado na edição 255
de Ultimato.
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