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domingo, 26 de maio de 2024

O perdão em discussão

 

A cultura cristã está impregnada de certa generalidade em torno do amor e o perdão incondicionais, seja de Deus para com os homens, como também entre os homens. E acredito ser uma consequência do pensamento na literatura calvinista. E cristãos que não são monergistas (amor, perdão, salvação, dependem exclusivamente de Deus) e sim sinergistas (Deus e o homem cooperam para salvação humana), no embalo pregam e ensinam acerca do amor e do perdão incondicionais, sem considerar outros requisitos no processo da aplicação do perdão.

Em Coríntios 13 destaco duas características do amor ágape:

Não é leviano (I Co 13.4). 

Não é indecente (I Co 13.5).

O tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta de I Co 13.7, significa aceitar tudo? Creio que não, pautado em I Co 13.4-5.

“Ser leviano é proceder sem bases verdadeiras, é ser hipócrita, maldoso e irresponsável, é aquele que tem comportamento volúvel, que age com insensatez. O indivíduo leviano é uma pessoa fútil, medíocre, não tem noção do que é prudência, sabedoria e ponderação, transmitindo a imagem de pessoa irresponsável” (www.significados.com.br – Pesquisa em 23/03/2024).

“O indecente age sem pudor moral; oposição aos bons costumes; falta de respeito. Obscenidade; comportamento ou dito obsceno, vulgar, sem moral ou decência” (www.facebook.com.br – Pesquisa em 23/03/2024).

Um amor que nada exige, sem condição nenhuma, é um amor fútil, ordinário e sem valor. E certamente esse não é o amor de Deus.

A característica mais marcante do perdão - É ser terapêutico, restaurador, e via de regra, passa pelo caminho da confissão, do arrependimento, da reconciliação e mudança comportamental.

O perdão é a ponte em construção por onde vamos passar. Todos nós carecemos de perdão e liberar perdão.

O modo de perdoar, é como Deus nos perdoou em Cristo (Ef 4.32), sem reservas e não lança em rosto o passado.

Deus é perdoador e nos exorta, confronta-nos a perdoar (Mt 6.12,14-15). Ele perdoa as nossas ofensas assim como perdoamos aos nossos devedores.

A misericórdia de Deus é de eternidade a eternidade sobre aqueles que o temem, e sua justiça sobre os filhos dos seus filhos (Sl 103.17-18). Logo, não é genérica.

Pv 28.13 – “O que encobre as suas transgressões nunca prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia”.

Níveis do Perdão

De Deus para com o homem – É pela graça de Deus, a base é o sacrifício de Jesus na cruz. Está condicionado ao arrependimento e a fé humana (Mc 1.15; Ef 1.13; Hb 4.2). A graça de Deus atua desde o convencimento pelo Espírito no ato humano de atentar para ouvir a voz de Deus. Mas, o indivíduo precisa ouvir com interesse e atenção (Jo 7.37-39). É oportuno realçar aqui que Deus nada deve aos homens, em nenhuma área, no tempo e espaço. 

I Jo 1.9 – “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”.

Certo pensador afirmou: “O filho pródigo perdeu tudo, menos o pai”.

Entretanto, o que fez ele para não perder o pai?

1.Caiu em si, viu a besteira que fez.

2.O pai não foi atrás dele. Ele arrependido voltou para casa.

3.Veio humilhado. Queria ser pelo menos, um trabalhador do pai.

4.O pai o restaurou e o outro irmão não compreendeu o amor do pai.

5.O filho que estava em casa com o pai, é um exemplo de quem tinha de tudo e não sabia usufruir do que estava em mãos, não era grato, nem comemorava as vitórias, via no pai um patrão, não o seu pai.

6.E nessa parábola, como o pai é uma figura de Deus, é o texto bíblico onde encontramos "Deus correndo" para acolher e restaurar.

7.Assim é o amor de Deus para com a Humanidade. Chama-a ao arrependimento para restaurar, mudar o viver.

O perdão entre irmãos – Depende de reconhecimento da ofensa pelo culpado (Mt 18.15-17). E perdoar quantas vezes for necessário (Mt 18.21-22), havendo mudança de atitudes.

O perdão entre pessoas fora do convívio – Houve um fato (uma briga de trânsito, um aborrecimento em lugar qualquer...), ocorreu a ofensa, e tanto o ofendido como quem ofendeu seguiram na vida, não há uma convivência permanente. Nesse caso se libera o perdão, deixando para trás aquela experiência negativa, não fica preso ao passado e independente do ofensor pedir perdão, ou não. E não é de difícil aplicação.

Entretanto, diga-se, as pessoas mais suscetíveis de nos ferir, magoar, decepcionar são as que estão próximas de nós no dia a dia, a quem amamos e temos uma relação continuada de confiança e estreita.

O perdão em família, entre cônjuges – Analisando a infidelidade conjugal, depende do reconhecimento de quem causou e se ajustar, deixar o proceder reprovável.

No meio cristão feridos são aconselhados a aguentar traições maritais, violência doméstica e por anos, sem arrependimento do ofensor e infiel, na esperança de recuperar o casamento.

Diz o ditado: “Pimenta nos olhos do outro é refresco”.

Como a sociedade é machista, raramente ocorrem do cônjuge feminino para com o masculino. 

Em que pese testemunhos de restauração, parece-me mais falta de amor-próprio, subserviência indigna, casos de dependência material subjugante, a vida real espiritualizada por profetadas, etc.

Nas Escrituras não encontramos respaldo para manter, sustentar a aliança matrimonial de qualquer jeito. Separação é frequente. Mais complexo é identificar quem faz jus a um novo casamento sem incorrer em transgressão ao padrão divino.

Há sim casos em que se permite o desenlace e o novo casamento. Seja por infidelidade, morte do cônjuge, abandono do lar (é violência doméstica em espécie – I Co 7.12-15) e tantas outras formas de violência e abusos no lar. Os casos que Paulo listou não foram exaustivos.

Penso que quem "lutar" pela manutenção da união conjugal que o faça por fé e com dignidade, não como preso a uma masmorra de humilhação e lágrimas. Todavia entendamos, também passa por uma decisão pessoal, sentimentos de culpas e perdas recíprocas.

Em matrimônios destruídos, há também os aspectos subjetivos da culpa, outros de foro íntimo, erros na escala de valores que não nos cabe levantar.

E em se tratando do perdão nessa seara, é impraticável sem arrependimento e mudança sincera.

Um caso experimental narrado - Conta-se também um episódio de um membro da igreja, que levou ao seu pastor uma infidelidade no casamento e arrependeu-se, mas a esposa optava pelo divórcio. Depois do aconselhamento pastoral em conjunto, ela declarou o perdão ao esposo. Porém, o marido iria experimentar da mesma dor e do veneno da traição. O pastor reiterou a necessidade do verdadeiro perdão e foram para casa. O pastor foi orar pelo casal. E Deus lhe revelou que iria recolhê-la, pois ela havia desrespeitado a sua autoridade espiritual implícita no pastoreio. O pastor insistiu na intercessão. Os dias passaram, aquela jovem senhora, adoeceu e partiu.

Hb 12.5-11 - Pais complacentes em demasia - Estes não disciplinam os filhos, passam a mão por cima dos seus erros e pecados, por trás de uma dissimulação fajuta e desleixada. E as vezes se tornam cúmplices de seus pecados. E pagam alto preço. É bíblico: O mundo espiritual prevalece sobre a realidade da dimensão material e temporal.

O perdão no Ofício Ministerial – É uma situação em particular, pois vai depender da gravidade de cada caso. E em verdade, pelas Escrituras, há pecados mais gravosos que outros. E inclusive no efeito e na dimensão do escândalo que gerar. Os que lideram, via de regra são mestres, na prestação de contas terão juízo mais severo (Tg 3.1). 

Aqui é relevante ressaltar o ditado “dois pesos e duas medidas”. É uma expressão que indica um ato injusto e desonesto, algo feito parcialmente. Ou seja, está relacionada com situações similares tratadas de formas completamente diferentes, seguindo critérios diferentes e à mercê da vontade das pessoas que as executam. 

O que se tem observado é que, na falta cometida, para se levantar vai depender da proximidade ou distância da cúpula da liderança e julgadores.

Vimos então, existem níveis na aplicação do perdão bíblico, seja na esfera divina ou humana.

A Psicologia moderna nessa área pouco ajuda na medida em que busca a parcialidade do homem consigo mesmo. Apresentam-se “n” justificativas sociais e psíquicas, menos os humanos assumirem suas responsabilidades. Eis a razão porque os presídios estão cheios de maus elementos e a grande maioria se declaram inocentes.

William Saroyan: “Todos os homens são bons, num mundo mau – como aliás cada um de nós sabemos muito bem”.

Enfim, o propósito dessa postagem é refletirmos nas ministrações em torno do perdão bíblico, onde ele é enfatizado e o modo como perdoar. Entretanto, fica um tanto “romantizado” enquanto pouco se fala da necessidade da confissão, arrependimento, correção de conduta do ofensor, quem feriu para que ocorra restauração e reconciliação. 

Que o Senhor nos conceda mais graça e misericórdia no exercício do perdão na caminhada cristã. Amém!

 

Por Samuel Pereira de Macedo Borges

Bacharel em Direito e Teologia

Natal/RN, 26/05/2024.

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