Marcos Monteiro*
Inúteis e inviáveis, as medidas
contra a crise de 2008 não evitaram a crise de 2011, simplesmente porque a
crise não é meramente cíclica ou aleatória, mas sistêmica e estrutural. Em
outras palavras, não há crises no sistema econômico e político global, a crise
é o sistema. Infelizmente, a esquecida e antiga polaridade reforma-revolução
talvez seja parte da polaridade maior caos-cosmos. Não há caos sem cosmos nem
cosmos sem caos, o que põe a incerteza e a imprevisibilidade na ordem do
dia.
Sempre existem os manuais de
receitas prontas para tudo e as ciências humanas tem a tendência de organizar
suas proposições em cardápios. O problema é que antigas receitas não produzem
novos sabores e o mundo cada vez mais exige respostas novas para antigos e
novos problemas. Diante do processo civilizatório, dificilmente podemos nos
sentir mais do que cobaias humanas de doenças terminais testando infinitamente
os mesmos remédios ineficazes.
O novo remédio para a crise
mundial estaria próximo daquilo que Paulo Freire chamou de “inédito viável”.
Sua vida e sua obra foram marcadas pela busca de um socialismo inédito,
distante da sloganização, do sectarismo, do elitismo e das polarizações que
tentam reduzir o real a um conjunto de regras. Para ele, o “inédito viável”
seria o caminho para superar as “situações-limites”, transformando-as, de certo
modo em situações-desafio. Sua esperança apontava sempre para a possibilidade
de um mundo melhor. Nunca como uma espécie de determinismo teológico ou
filosófico, mas como possibilidade histórica, em que o processo educativo se
tornaria indispensável.
A expressão “inédito-viável” pode
jogar o jogo da linguagem ao lado do “inédito-inviável” e do “conhecido-viável”
contra a força avassaladora do “conhecido-inviável”. Essa nova crise (nova?)
tem os mesmos elementos de sempre, bula examinada e seguida com cuidado, como
se a doença não fosse incurável. É o velho “conhecido-inviável”. Nas periferias
desse macro-sistema e até dentro do mesmo, uma série de experiências menores,
muitas vezes desprezadas ou consideradas insignificantes, com novos elementos e
novos e promissores resultados, que poderíamos colocar dentro do âmbito do
“conhecido-viável”. As grandes utopias, descrições de mundos absolutamente
perfeitos, configuram o “inédito-inviável”. Mas ainda há pequenas e grande
soluções não tentadas que podem dar certo; estas são o “inédito-viável”.
Os analistas da crise atual
informam que em menos de uma semana, cerca de três trilhões de dólares
simplesmente desapareceram, pelo efeito dominó das quedas das bolsas. E assim,
o mundo está mais pobre, mais desigual, mais inseguro e mais instável,
suscetível a conflitos de todos os tipos.
O mundo inédito de Paulo Freire
não é um mundo sem nenhuma violência, sem nenhuma pobreza, sem nenhuma
desigualdade, sem nenhuma injustiça. Esta seria a grande utopia, inédita e inviável,
mas que pelo menos nos lança na busca desse horizonte inalcançável. Afinal,
como dizia o poeta, o horizonte serve para isso mesmo, para nos fazer
caminhar.
Mas, se nos tornarmos caminhantes
de utopias, não temos o direito de desanimar da caminhada nem de deixar de
construir caminhos. Assim, o mundo, inédito mas viável, pode se tornar menos
feio, menos desigual, menos inseguro, menos violento, mais parecido com o mundo
sonhado por Paulo Freire, “um mundo em que seja menos difícil amar”.
E aqui está posta uma esperança
que é, ao mesmo tempo, diagnóstico. No mundo atual, o amor é coisa difícil,
mercadoria de consumo que, mesmo transformado em coisa, é difícil de adquirir.
Na Atenas de Platão, o amor poderia ser considerado de várias maneiras: fonte
máxima de beleza, estrutura cosmológica responsável pela harmonia do mundo,
força da natureza impossível de ser vencida (nem mesmo pelos deuses) ou escada
de ascensão educativa para a contemplação do belo, verdadeiro, bom e justo. Se
os comensais desse famoso banquete estiverem com a razão, a estrutura atual do
mundo tenta reduzir o mistério do amor a produto de consumo.
Nesse tempo, então, cabe o
encontro em que todos os amantes do amor, vestidos com suas roupas festivas,
saiam em procissão solene ou em carnaval dançante, acendendo suas pequenas
velas, seus pequenos amores, como quem semeia centelhas na esperança de
deflagrar incêndios que destruam esses antigos e inviáveis esquemas, para que
surjam espaços para esse mundo um pouco melhor para o amor.
Feira de Santana, 12 de agosto de
2011.
*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC.
Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em
Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social
Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail
cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com. Fone: (71) 3266-0055.
Colaboração:
Presb. Ismael Celestino
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